17 de outubro de 2011

O Salto

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"O que está dentro de mim dispensa e repudia
Os costumes e galas que imitam a agonia."
Hamlet, W. Shakespeare,
trad. de Millôr Fernandes
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Não sonhava mais
Ah que antes conseguia
Nem tentava, era dádiva
Presente de um rancoroso cansaço

Não mais dançava
Nem gritava calado
Sua procissão de silêncios
Não mais baixava olhos

Ouvia, de fato
E fazia soar as teclas
E traçava firmes as retas
Com o impulso do vento passado

Qual brasa que 'inda aquece
Mesmo o fogo tendo partido
Calava ainda multidões
De olhares mal dormidos

Brincadeira, ah joguete!
Um lance oportunista
De dedos exangues
Já sepultados em velhas páginas:

Eis que surgem olhos
O primeiro par deles na plateia
Quando já sumiam as luzes
E o sorriso já quase terminava

E voz, que chama e aprecia
Palavras sutis,
Suaves gestos leves
Em novas acrobacias

Tornou a dançar
E, já habilidoso, bailar
Pelo palco iluminado
Seu peito finalmente batia

Pontuando, aqui e ali,
Um menor, um diminuto
Por fim um pentatônico
Passo com os pés frios

Acendeu sua luz
Encarou a noite, pois valia
Encarou o tempo, ah, que valia
Pular o salto fatal da alegria

E fatal, bem... o foi
Sonhou seu poslúdio
Olhos brilharam, quimera!

Chegou-lhe o chão
Findou-se o sonho
Mas havia, ele, então sonhado?



Escrito no Circo, em 09/10/2011, às 3:50h.

Ouvindo a Valsa opus 64 nº 2,
de Frédéric Chopin

Imagem: estudo para uma provável
nova "capa" do Sonata Escarlate.

Um comentário:

  1. Neto, você só terá noção do que esse poema despertou em mim se ler o meu contra-poema: a bailarina.

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