15 de abril de 2010

Interpretando Alice

Quando Lewis Carroll – pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson – presenteou Alice Pleasance Liddell, uma garotinha de 11 anos, com seu manuscrito de Alice no País das Maravilhas, ele não imaginava que esta seria uma das obras mais adaptadas do mundo. No livro de 1865, o escritor britânico idealizou um universo de duplos sentidos que se divide entre o lúdico infantil e um dos melhores registros em inglês vitoriano.

Carroll se tornou referência em literatura nonsense com seus complexos enigmas de lógica e poemas emaranhados a um mundo delirante. “Em uma época em que vigorava um texto moralista, muitas vezes com cunho religioso, criar uma história imaginativa na qual não existe bem e mal foi bastante inovador”, comenta Adriana Peliano, presidente da Sociedade Brasileira Lewis Carroll (SBLC).
Existem associações focadas em disseminar o livro nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Japão e Canadá. Aqui no Brasil, a SBLC foi fundada em 2009 e organiza eventos com frequência. Grupos de estudiosos, artistas e leitores apaixonados colecionam edições raras, publicam dissertações e estão sempre tentando interpretar os densos textos da obra. “A história abre portas de compreensão do mundo e sempre se mostra diferente. As explicações são infinitas, por isso há tantas pessoas interessadas em explorá-la”, diz Adriana.

Um deles é o excêntrico diretor Tim Burton, com a nova versão do livro para o cinema. O filme 3D de Burton ganhou distorções bizarras, personagens pra lá de caricatos, além de um novo roteiro: Alice cresceu e está com 19 anos. Desconcertada por um pedido de casamento repentino, foge atrás de uma resposta e acaba caindo no conhecido buraco que a leva para o mundo subterrâneo. Burton deu a Alice ar feminista, com espírito livre e contra os costumes rígidos da Inglaterra vitoriana.
Myriam Ávila, professora de teoria da literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escreveu seu mestrado baseado em Carroll. “Seria apenas sobre o autor, mas, ao ler Macunaíma, comecei a notar semelhanças entre Alice e ele. Então, resolvi explorar o assunto.” O resultado foi uma tese ousada e criativa. Myriam percebeu que o “herói sem caráter” tinha uma queda pelo estrangeiro. Assim como Alice, que transparece sua vontade de explorar mundos distintos. Ambos poderiam sentir interesse um pelo outro.

Loucura? Nem tanto. Afinal, o grande trunfo de Alice é justamente estimular o pensamento por meio de um diálogo não literal, no qual os símbolos, as figuras de linguagem e as metáforas usadas permitem que o leitor construa uma relação entre a fantasia e a realidade e que não queira mais sair desse lúdico universo.

Matéria publicada na Revista da Cultura, edição de abril de 2010.

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